Os artigos da equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil.
Acesso gratuito: baixe o aplicativo PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.
O sonho de Cláudia Abreu era de estrelar Virgínia em Portugal. Foi em território luso que uma atriz consagrada, 54 anos, colocou o ponto final na peça que havia começado a escrever no Brasil. O ano foi 2020 e, durante a pandemia, ela veio morar em Lisboa com o então marido, o cineasta José Henrique Fonseca, e os quatro filhos. Cinco anos depois, um intérprete subirá ao palco do Teatro Maria Matos, de 6 a 9 de fevereiro, com o monólogo sobre os últimos momentos da vida de Virginia Woolf (1882-1941).
“É muito significativo levar essa peça para Lisboa”, diz Cláudia, por videochamada, de seu apartamento no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro. “Caminhei muito pelas ruas da cidade, pelos jardins da Torre de Belém pensando em Virgínia. Cheguei a procurar produtores e parceiros, porque o meu desejo era que a estreia fosse em Portugal. Mas existia uma exigência reprimida dos próprios portugueses depois da pandemia”, acrescenta.
A atriz também teve de voltar ao Brasil para gravar a série Desalmado Globoplay. “Na verdade, nunca foi minha intenção me mudar para Portugal. Eu adoro e frequento o país há muito tempo. Todos os anos, vou para Lisboa, onde tenho casa. Meus filhos têm dupla cidadania porque meu sogro, Rubem Fonseca, era filho de portugueses, e até eu tenho o passaporte por conta desse parentesco”, explica.
“Mas, antes da pandemia, nós já tínhamos planos de morar fora para as crianças também vivenciarem o lado português da família. E quando ocorreu a pandemia e meu sogro faleceu (aos 94 anos), não de covid-19, mas foi uma triste coincidência, ficou muito difícil viver um luto no confinamento, e fomos para Portugal”, ressalta.
O momento político do país ajudou Cláudia a tomar a decisão de fazer as malas. “O Governo Bolsonaro se negou a comprar vacina, negou a importância do uso da máscara e do isolamento, aquilo foi virando uma situação surreal que todos nós vivemos. Decidimos ficar um pouco diante de toda a dor do luto que estávamos sentindo e, de alguma maneira, ficar afastados daquela negatividade, daquele terror que era viver a pandemia durante o Governo Bolsonaro”, relembra. “Ficamos um ano e meio e foi maravilhoso. Mas o Brasil é o meu pais. Eu gosto de ir para Portugal, de viajar bastante, mas preciso voltar para o meu Brasil. É aqui que eu me sinto em casa”, afirma.
Fernanda Torres
Ainda falando sobre política, com uma bela estante de livros na sala, Cláudia vibra quando o assunto é o Globo de Ouro que Fernanda Torres ganhou pelo filme Ainda estou aqui. “Extraordinária, ela lavou a alma de todos nós. Essa vitória é significativa em muitos lados. Pela Fernanda foi realmente celebrada como ela merece, por Rubens Paiva e pela história da Eunice, porque se falava muito dele, mas não se falava o que tinha acontecido com a família. Como aquela mulher conseguiu sozinha enfrentar tudo isso com seus filhos. Foi muito importante para a nossa aula artística”, diz.
Ela complementa: “A nossa cultura leva o país para fora. E é muito importante também para a política brasileira, principalmente num momento que flertam com ditaduras e golpes”. Cláudia atuou na minissérie Anos Rebeldes e nenhum filme O Que É Isso, Companheiro?obras que abordam a ditadura militar. “Tive muito contato com esse assunto, da luta armada, dos abusos daquele período. Acho que é mais necessário que não se esqueçam de todas as atrocidades que fizeram para que isso não aconteça novamente”, assinala.
De volta ao assunto Virgíniaescrever a produção teatral foi uma ideia que Cláudia teve muito antes da pandemia. “Em 2019, eu estava começando a escrever a peça, mas já tinha passado três anos fazendo uma pesquisa, lendo tudo sobre Virgínia, livros, diários”, frisa a atriz, que teve uma peça sobre a escritora inglesa como seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na Faculdade de Artes Cênicas da Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio, feita online de Portugal.
“Todos os trabalhos que tinham da faculdade, faziam sobre a Virgínia. Eu me lembro que um deles era só sobre autores suicidas. Então, era o diálogo entre ela, Hemingway (Ernest, escritor americano, 1899-1961) e Gilles Deleuze (filósofo francês, 1925-1995)”, conta a atriz, que já encenou Orlando — Uma biografia de Virginia Woolfem 1989, com apenas 18 anos.
Sobre mulheres
Há dois anos em cartaz, Cláudia já levou mais de 40 mil pessoas ao teatro para ver seu espetáculo. “A peça foi bem recebida pela crítica, pelo público e com todos os teatros lotados. E não estou fazendo uma comédia, estou fazendo uma peça profunda sobre uma mulher que, no Brasil, muito pouca gente leu. Mas, ao mesmo tempo, você não precisa ter lido Virginia Woolf para entender a história, que também não é um dramalhão, porque ela ri de si mesma. A vida é riso e choro o tempo inteiro. Não vou dizer que é uma comédia, mas tem um humor inglês, aquela ironia fina”, garante.
A artista aponta que a montagem é mais atual do que nunca, principalmente no que se refere às mulheres. “A condição da mulher não mudou. Temos epidemia de feminicídio, assédio, olha o que está acontecendo com as mulheres vítimas dos talibãs. Basta um mudar de governo para que eles percam todos os direitos. Agora, estão fechando as janelas, elas não podem ter janelas, fale na rua, a questão da opressão à mulher está na peça. Não mudou tanto assim em 100 anos. Então, falar da Virgínia é falar de todos nós”, afirma. “São muitos assuntos ali. Falar de uma escritora que é insegura, que, apesar de ser consagrada, continua desconfiando de si mesma, é falar sobre todos nós. A peça se comunica com o público nessa humanidade de falar sobre todos nós”, enfatiza.
Sobre Portugal, protagonista de sucessos na TV como celebridade e Cheias de Charme é só elogios. “Tenho muito carinho por Portugal. Existe um estado de espírito que não seria conseguível ter no Brasil. Em Portugal, você não precisa estar sempre alerta ao andar na rua, ao parar o carro. Você tem uma sensação de paz como se tivesse conhecido no tempo, sei lá, por décadas de um outro tipo de viver. Isso eu acho imbatível em Portugal. Ao mesmo tempo, existe uma brasilidade, um borogodó que o brasileiro tem e sente falta. Ele sente falta de um outro tipo de energia, que é muito da nossa mistura também”, assinalou.
Separação e envelhecimento
Separada desde 2022, depois de um casamento de 25 anos, Cláudia continua discreta quando o assunto é sua vida privada. “Ele (José Henrique Fonseca) é meu melhor amigo, somos muito unidos. Estamos sempre juntos, temos quatro filhos”, resume. “Eu prefiro não falar muito sobre isso, não sou de fazer análise em público. E nós fomos muito honestos um com o outro quando nos separamos, tudo foi feito às claras”, diz.
Falar sobre envelhecer não é um problema para um artista. E ela dá uma dica valiosa. “A passagem do tempo está em mim. Sou uma mulher da minha idade, mas existe um estado de espírito que eu acredito, sinceramente, que te traz um semblante mais leve. É uma alegria de viver, uma forma positiva de estar na vida, uma paixão. Isso rejuvenesce mais do que o laser ou outros procedimentos”, afirma.
Depois de Lisboa, a estrela brasileira faz uma mini turnê por cinco cidades no Brasil. Em maio, simultaneamente com Virgíniaela apresentará Os Mambembesinspirado em Ó mambembeclássico de Artur Azevedo (1855-1908), no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com nomes no elenco como Julia Lemmertz, Deborah Evelyn e Paulo Betti, o espetáculo já percorre algumas cidades do interior do Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil. “Viajamos num ônibus que se transformava no cenário da peça, que era toda feita da rua. Foi a realização de um sonho que eu tinha de levar o teatro de graça a lugares que, às vezes, nem tem teatro”, vibra Cláudia.
E quem está sentindo falta da atriz em novelas (a última foi em 2016), a espera vai acabar. Ela será protagonista de Dona de Mimpróxima trama das 19h da Rede Globo, com estreia prevista para abril. Na história de Rosane Svartman, a personagem de Cláudia terá uma enteada preta, com uma babá preta também. “Será um ano agitado, mas estava com saudade de fazer novela. É um público que me viu a vida inteira. Acho importante falar sobre racismo e não abandonar quem te acompanha e que, às vezes, só pode ver TV aberta. Dou valor a isso”, destaca.