Sexta-feira, Outubro 11

Teresa Moreno nega qualquer “coação” ou “pressão” para a prescrição do medicamento e que a decisão foi única e exclusivamente “clínica”. Na audição desta sexta-feira revelou ainda que alertou que Daniela Martins, mãe das bebés, queria apenas acesso ao medicamento e não uma consulta

A neuropediatra Teresa Moreno revelou que Ana Isabel Lopes, diretora do departamento de Neuropediatria do Santa Maria, lhe telefonou três vezes para que arranjasse uma data para marcar uma consulta para as gémeas lusobrasileiras, pois Luís Pinheiro, à data diretor clínico e agora arguido neste caso, tinha dito que a ordem vinha “acima da secretaria de Estado”.

Sem esconder o “desconforto” e a “irritação” que toda esta situação lhe causou, sobretudo devido a uma possível interferência política, não ficou claro na audição desta sexta-feira se a ordem para a marcação da consulta partiu de Lacerda Sales – como a própria Teresa Moreno escreveu no relatório clínico das gémeas, algo que hoje reconhece ter sido um “impulso emocional negativo” – ou de “ministros ou presidentes”, como a médica diz ter comentado informalmente junto de colegas com quem falou sobre o caso.

Teresa Moreno confirmou a existência de “rumores”, ouvidos nos corredores do hospital, sobre a interferência da Presidência da República sobre o caso das gémeas, mas não “se falou do doutor Nuno Rebelo de Sousa”. No Santa Maria, as gémeas chegaram a ser chamadas “as meninas do Presidente”, algo que Teresa Moreno disse que era dito “até pelas auxiliares da consulta”. “Vêm aí as meninas do Presidente” era algo dito “entre o rumor e a brincadeira, a rir”, confidenciou.

Na audição desta sexta-feira na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas tratadas com Zolgensma, a médica que acompanhou e administrou o medicamento às bebés negou ter tido qualquer contacto direto ou indireto com Lacerda Sales, Carla Silva, Nuno Rebelo de Sousa ou com a Casa da Presidência e diz que apenas foi contactada pela mãe uma vez, num e-mail enviado a 14 de novembro de 2019, duas semanas antes da primeira consulta, na qual apenas o pai e o tio estiveram presentes e onde somente conseguiu obter a “história clínica”. Além da mãe das gémeas, Teresa Moreno admite que foi também abordada por “um colega no hospital” e que recebeu “um telefonema de outra colega” e “um telefonema de um familiar, pedindo a medicação”.

Teresa Moreno confessou, no entanto, que a pressão política para marcar a consulta a “irritou um pouco” e que já tinha alertado que o objetivo da família era obter o, à data, medicamento mais caro do mundo e não uma avaliação clínica, o Zolgensma. Questionada sobre o que foi diferente no caso destas bebés face a todos os outros que tratou com a mesma doença, a médica aponta mesmo o dedo “a inscrição para a consulta”, algo que diz que “foi atípico”. “Obedeci a uma ordem hierárquica, irritou-me, mas obedeci”, vinca.

A neuropediatra Teresa Moreno acompanhou as gémeas lusobrasileiras no Santa Maria e foi quem prescreveu o medicamento, à data, mais caro do mundo (Lusa/António Cotrim)

 

Teresa Moreno explicou que não respondeu ao e-mail da mãe das bebés – tendo até recebido ordens para não o fazer – e que o encaminhou para a direção clínica do hospital, onde trabalha há 25 anos. “Acontece que, na sequência do meu apelo à administração por instituições [após o e-mail recebido pela mãe, a 14 de novembro], à qual eu recebo uma resposta ‘não respondas’, (…) dias depois, eu recebo um telefonema [da diretora de departamento] a dizer que precisamos de consultas para estas meninas”, relatou Teresa Moreno, que adianta que Ana Isabel Lopes lhe telefonou mais duas vezes para que lhe desse uma data, embora a neuropediatra tenha alertado sempre a sua superior de que o objetivo da família não era a consulta, mas sim o acesso ao medicamento. E o custo foi a grande questão que levantou, garantiu a médica, que explicou que “estas medicações, saem do orçamento do hospital, não do SNS, é do mesmo [orçamento] de onde saem os ordenados”, algo que, após uma portaria de até 23 de setembro, vai mudar, passando este custo, em 2025, a sair do orçamento do SNS. Foi nestas três chamadas que Ana Isabel Lopes informou Teresa Moreno que tem de marcar a consulta porque “foi um pedido do senhor diretor clínico” que lhe revelou que o pedido da consulta “vinha de alguém, acima do secretário de Estado”.

Apesar de todos os contornos deste caso, Teresa Moreno garantiu que “não houve distinção” no tratamento médico das gémeas e que tomou conhecimento da consulta marcada, e posteriormente desmarcada, no Hospital dos Lusíadas apenas através da comunicação social.

Sobre o facto de as bebés não estarem em Portugal, a neuropediatra admitiu que “neste tratamento específico”, em 2020 e quando ainda pouco se sabia sobre o medicamento, os pacientes deveriam ficar em Portugal, pelo “seguimento apertadíssimo que têm nos meses, dois anos, a seguir à medicação”, algo que não aconteceu, pois as bebés viajavam com regularidade e até por períodos “prolongados” para o Brasil. 

Quanto à postura da mãe, Teresa Moreno descreveu-a como “difícil” e até “arrogante”, com um tom “agressivo” em alguns e-mails. “A mãe não era fácil de gerir”, diz, adiantando que notou uma mudança no comportamento antes e depois das bebés terem recebido o tratamento. “No início do acompanhamento médico, vinha com o objetivo de as crianças serem tratadas o mais rapidamente possível com Zolgensma e depara-se com a decisão de serem só quando a EMA [Agência Europeia do Medicamento] aprovasse. Naqueles meses, tive uma pressão constante ‘quando é que é? Quanto falta? E algumas afirmações como ‘Se fosse para isto tinha ficado no Brasil, vou para os EUA’”, descreve.

Quanto à inclusão das gémeas em ensaios clínicos, Teresa Moreno explicou que as inscreveu, juntamente com mais uma criança portuguesa, num projeto internacional em que eram sorteados tratamentos, mas que nenhum dos três menores foi selecionado.

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