Ficavam a transbordar no táxi do filme de ação erótico Procurando por Mr. Goodbar/À Procura de um Homemde Richard Brooks (1977) ou Olhos Bem Fechados/De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick (1999) tal como La Cagna/Liza, uma Submissa (1972), a farsa ou fábula de Marco Ferreri (mas esta época não sabe quem é Marco Ferreri…), extravasava do “drama psicossexual”.
Já um tipo como Adrian Lyne (Nove Semanas e Meia1986, Atração Fatal1987) fez filmes que antes de ser qualquer coisa, um personagem, uma obsessão ou um desvio, um universo, em suma, eram sempre “eróticos”, formatados mais para uma cópula calculada, por isso andavam a rondar o exploraçãofaça que para as surpreendentes subtilezas das parafilias (tudo cinematograficamente falando, evidentemente…).
Os fantasmas que cada espectador merece podem fazer com que Bebezinhada neerlandesa Halina Reijn, evoca os primeiros — porque deixou saudades — pelas situações, pela sucessão de rituais. Vai de orgasmo a orgasmo, entre um e outro ficam as posições e os jogos de submissão de uma mulher de poder (Nicole Kidman) no auge de sua profissão, uma diretora executiva de empresa no pico da sofrimentoguidão sexual também, e tudo é aparentemente compatível com a estabilidade familiar. Antonio Banderas, como marido, tem aqui o papel do chato. Até que Nicole se abandone nas mãos de um desafio estagiário — interpretado por Harris Dickinson, o modelo de Triângulo da Tristezade Ruben Östlund. Altura em que a sua vulnerabilidade e o seu desejo se descascam e os seus orgasmos deixam de ser fingidos.
É por aqui que se está a invocar a “bravura” da atriz. Algo que ou muito nos engana ou está a ser medido pela quantidade de carne que a estrela Esteve disposto a mostrar e pelas posições no decor que quis arriscar.
Qualquer que seja a capacidade evocativa de Bebezinha – não será um mérito seu, mas desempenho da memória e do património cinéfilo do espectador —, o filme de Halina Reijn não deixará de ser apenas… hum filme de ação erótico. Ou uma comédia erótica. Ou qualquer coisa outra, mas irremediavelmente “erótica”. Portanto, mais Adrian Lyne. Registre-se também o fato de a realizadara ter sublinhado os (seus) anos 80 como inspiradores ao citar o compatriota Paul Verhoeven. Como o seguinte torção que não lhe muda grande coisa, mas que, tal como “erótico”, apresenta-se sempre à frente de Bebezinha, vem primeiro que o filme para ele se importa como formato: é realizado por uma mulher, será tudo aquilo que já conhecemos mas em diferente por apresentar um olhar feminino. Agora, não. À procura de um homemrealizado por um homem, é mais desafiadoramente feminino, para além de feminista (como, aliás, outro filme da fase final de carreira do mesmo cineasta, O final felizde 1969), do que Bebezinha.
Em resumo, e para lembrar à realizadara de 49 anos: o arrojo, o risco, não foram inventados pelos thrillers erótico dos anos 80, é uma história mais antiga, tão velha que não teria espaço sequer para enunciar aqui. Mas ficando apenas pelos fantasmas neste texto aparecido: Diane Keaton sujeitou-se ao inferno em Procurando pelo Sr. Goodbarum ano depois da comédia Anne Halle isso sim, foi destemido, o choque foi tamanho que o filme foi considerado chocante; Catherine Deneuve já se dedicou ao RPG de cadela (com Marcello Mastroianni) em 1972. E se nos lembrámos de 1999, foi porque nesse ano, e também no Festival de Veneza onde Bebezinha se estreou, que Kidman e seu, na altura, marido Tom Cruise apareceram ao mundo cenas de uma vida conjugal que o entomologista Kubrick escalpelizara com bisturi decadentista. Isso, sim, foi uma peça de resistência.
Eram filmes adultos, se calhar atrozes e problemáticos, com ambição de ensaísmo antropológico em alguns deles. Bebezinha não tem nada disso. Como é nesta época e sobretudo para esta época, foge como o diabo da cruz da complexidade, do equívoco e de tudo o que possa indispor ou zangar o espectador. Por isso a sua bem humorada vedeta nos talk show Americanos em que promove o filme tem enfatizado, não vá o espectador ficar com a impressão errada: é entretenimento. Com um atrevimento oportunista que não é exclusivo de cineastas-homens, como As Cinquenta Sombras de Grey para maduros. É qualquer coisa “erótica”, sim, e pueril.