Segundo o professor do Departamento de Ciência Política e Políticas Públicas do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, para fazerem face à nova geração de competências e políticas locais, “as autarquias precisam de uma injeção de formação avançada em gestão pública, como a que tem sido aplicada à administração central”.
O também vice-presidente do Instituto para as Políticas Públicas e Sociais do ISCTE notou, por outro lado, que os perfis etários e profissionais dos autarcas “não diferem muito, em média, dos restantes segmentos da elite política”.
“Onde há grandes diferenças é na presença de mulheres (mais reduzida no poder local, especialmente fora da Área Metropolitana de Lisboa) e justamente nas qualificações (mais baixas no poder local do que no central)”, explicou.
“Isto é preocupante, pois pode implicar uma impreparação da gestão pública local num tempo em que as autarquias, tantas vezes sem escala e massa crítica, são chamadas a exercer novas competências, algumas complexas, resultantes da europeização ou da descentralização das políticas públicas, sem o apoio de uma coordenação subnacional politicamente legitimada, por causa do eterno adiamento da regionalização”, considerou Filipe Nunes.
Depois, acrescentou, há ainda o desafio da integridade, já que “há uma perceção de corrupção comparativamente alta”. O tema, explicou, “aparece no topo das prioridades dos portugueses, ao contrário do que se passa na maioria dos países” com que Portugal é comparado, e “os autarcas têm estado debaixo dos holofotes”.
Filipe Nunes constatou que, em geral, os tempos atuais, 48 anos depois das primeiras eleições autárquicas em democracia e a um ano do próximo escrutínio local, “são muitos desafiantes para a atividade autárquica”.
“Se pensarmos nos grandes problemas globais – combate às alterações climáticas, mobilidade e habitação, integração de migrantes, revoltas populistas associadas ao sentimento de abandono nos territórios periféricos –, facilmente vemos que é ao nível regional e local que se jogam as respostas políticas decisivas”, argumentou.
Por outro lado, frisou ainda o docente do ISCTE, uma característica das democracias consolidadas como a portuguesa é a de existir “uma tendência geral para a especialização e autonomização das elites, e especificamente para a profissionalização da atividade política”.
Desse ponto de vista, “uma candidatura autárquica pode ser interessante para a estratégia de carreira dos quadros políticos mais jovens”, da mesma maneira que a passagem por gabinetes ministeriais ou por autarquias locais “está a tornar-se cada vez mais relevante no recrutamento de membros do Governo, deputados e eurodeputados do PS e do PSD”, observou.
“Não temos estudos muito atualizados sobre perfis das elites ministeriais e parlamentares, mas arriscaria a dizer que, quando os tivermos, vamos poder ver isso em relação às legislaturas mais recentes”, enfatizou Filipe Nunes.
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