Sábado, Outubro 19

É a primeira vez numa década que o PSD chega a um congresso enquanto Governo. Com o alívio sobre o futuro do OE2025, os sociais-democratas tomam o Fórum Braga para discutir o longo prazo, lançando a corrida às autárquicas. Ainda assim, com uma certeza partilhada: o discurso em relação ao PS tem de continuar a ser conciliatório, para não deitar tudo a perder

É caso para dizer que há um 42.º Congresso do PSD antes e depois de Pedro Nuno Santos anunciar a intenção do PS abster-se no Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). Não são só os discursos que têm de ser adaptados em cima da hora, são também as prioridades.

A reunião magna social-democrata esperava-se focada no OE2025. Não é que ele não vá continuar a ser um dos protagonistas deste fim de semana em Braga, mas sem a força prevista. Militantes e analistas políticos admitem que o anúncio socialista “esvazia” o congresso.

Contudo, dá ao PSD uma oportunidade única: a de deixar o discurso de vitimização, apresentar os feitos de 200 dias de governação e traçar as reformas que o Executivo deseja aplicar no país, já sem estar limitado pelas opções socialistas deixadas por António Costa nas contas deste ano.

“Antes, poderia haver uma intensidade mais forte na crítica ao PS. Com esta decisão, o congresso será de afirmação do PSD e do Governo, mais a falar do futuro, das reformas que tem de fazer”, antecipa à CNN Portugal Afonso Oliveira, antigo deputado social-democrata.

Militantes não querem que o PSD dê motivos a Pedro Nuno Santos para voltar atrás (Lusa)

“Não picar mais o bicho”, mesmo que o “bicho” tenha cedido

Antes do anúncio de Pedro Nuno Santos na quinta-feira à noite, a tensão era latente entre os sociais-democratas. Na dúvida, a posição estava alinhada: havia que cultivar alguma “contenção” no discurso, para não abrir ainda mais o fosso com o PS, para não “picar mais o bicho ou ferir o adversário”.

Apesar de a viabilização ser certa na generalidade e na votação final global – para isso falta apenas a luz verde da Comissão Política Nacional socialista na segunda-feira -, entre os sociais-democratas continua a acreditar-se que é preciso manter o registo “conciliador” na hora de falar da oposição.

“A partir de agora, qualquer excesso de linguagem dito por alguém importante pode levar a disparates completos. O congresso terá de ter muito cuidado com que o diz para não estragar as coisas”, admite um militante ouvido pela CNN Portugal.

Antes disso, outro militante dizia que Luís Montenegro teria de “modelar, moderar – não silenciar nem impedir – algumas críticas mais ferozes, para que não se tornem a posição do partido”. Agora, apesar de admitir que tudo fica “mais previsível”, admite que o presidente do partido invista num “discurso sereno e responsável, para evitar triunfalismos que podem acabar mal”.

“Também os militantes mais destacados não deverão ter discursos de rutura ou confronto com o PS em relação ao OE2025. Serão discursos sem grande crispação, mas com sentido de responsabilidade. É verdade que o PSD está mais aliviado, mas isso não significa partir para o ataque”, concorda o politólogo João Pacheco.

No último congresso, em novembro de 2023, em Almada, Cavaco Silva marcou presença (Lusa)

Exigências passam a ser internas

Uma década depois, o PSD volta a entrar num congresso como Governo. É esse orgulho que se espera que marque o fim de semana em Braga, com um “espírito, uma mensagem e um conteúdo próprios”, segundo aquilo que é esperado entre os militantes.

É tempo, dizem, de o partido deixar de se vitimizar e assumir as reformas que quer levar a cabo – e para isso muito contribui a moção de estratégia global, onde constam os objetivos para os próximos dois anos. “O facto de ter acontecido esta decisão [do PS] obriga os protagonistas do congresso a falar mais do futuro”, concorda Afonso Oliveira.

E, com o futuro na mira, é normal que surjam, entre os oradores, aqueles que vão agora subir a palco para “exigir medidas mais estruturais, porque não há um horizonte eleitoral tão próximo. Ganha-se espaço para falar das reformas em detalhe, do que falta fazer e para discutir o próprio partido”, diz um militante à CNN Portugal.

Se antes, a perceção era de que o congresso serviria sobretudo para “falar para fora” e convencer os portugueses (e o PS) da necessidade de colocar os interesses nacionais acima de tudo, o PSD ganha agora margem também para falar para dentro.

“Este congresso acaba por ser positivo para o PSD porque pode cavalgar os louros do que está a fazer, bem como falar sobre o que pretende fazer, apresentar uma visão construtiva das políticas públicas”, resume a politóloga Paula do Espírito Santo.

Mas, para a analista, fica sempre a ressalva de que não devem ser dados passos em falso: “A ideia de que o OE2025 está garantido é prematura, até porque a fase da especialidade pode distorcer o documento de tal forma que coloca em causa os interesses do Governo.”

Pedro Nuno Santos durante o anúncio da intenção de o PS abster-se no OE2025 (Lusa)

O caminho para as autárquicas

A escolha de Braga para o 42.º Congresso do PSD não é inocente. O partido ruma a um distrito onde tem forte implantação nas câmaras, olhando para a sua reunião magna – de uma forma mais acentuada depois de desfeito o tabu sobre o OE2025 – como a rampa de lançamento das eleições autárquicas do próximo ano. O objetivo é claro: liderar a Associação Nacional de Municípios.

“Diria que já vão aparecer algumas das figuras da próxima corrida eleitoral. Será um palco privilegiado para lançar alguns candidatos”, diz um militante ouvido pela CNN Portugal. Um dos casos é João Rodrigues, apontado como candidato à Câmara Municipal de Braga, embora a escolha crie desconforto nas estruturas locais.

O distrito é também um retrato daquilo que o Governo quer ver no país, considera o eurodeputado Paulo Cunha: “O que se vê do ponto de vista económico, com a robustez das empresas no território, a qualificação dos seus recursos humanos, a dinâmica das universidades e dos centros de investigação, bem como o trabalho dos seus autarcas.”

E, embora o PSD pareça não querer ainda falar de eleições presidenciais, a verdade é que já está confirmada em Braga a presença de um putativo candidato a Belém: Luís Marques Mendes.

PSD menos crispado internamente

Esta será, talvez, uma das reuniões magnas do PSD onde menos se sente a crispação interna. Entre os militantes, há quem admita que o facto de o partido estar no poder ajuda a acalmar as hostes.

“O partido está muito mobilizado nos últimos dois anos, desde a liderança de Luís Montenegro. Isso nota-se no crescimento da base de militantes e na participação no momento alto do partido, o congresso, onde se fará o balanço aos 200 dias de Governo”, reconhece Ricardo Carvalho, secretário-geral adjunto do PSD, envolvido na organização.

No partido, segundo os membros ouvidos pela CNN Portugal, há também a expectativa de que o congresso sirva para que alguns ministros “sem grande intervenção partidária” possam marcar o evento. Será uma espécie de celebração pelo trabalho que têm desenvolvido. Contudo, há a consciência de que alguns nomes – como o da ministra da Saúde ou o da ministra da Administração Interna – não sejam recebidos com tanto entusiasmo pelo auditório caso marquem presença.

Apesar do forte desfile de governantes por Braga, certo é que Luís Montenegro quer vincar a separação entre o Executivo e os órgãos do partido. Quatro dos ministros – António Leitão Amaro, Paulo Rangel, Miguel Pinto Luz e Margarida Balseiro Lopes – são também vice-presidentes do PSD. Daí que se espere que o presidente do PSD possa avançar com novos nomes na lista à Comissão Permanente.

Na moção de estratégia global, Montenegro escrevia que o Governo “não deve confundir-se com o partido e o partido não deve confundir-se com o Governo”.

Marques Mendes, um dos possíveis nomes do PSD para Belém, é uma das presenças confirmadas

Um congresso “mais digital”

“Este congresso teve um desafio especial, porque tivemos de mudar tudo num curto espaço de tempo”, conta Ricardo Carvalho à CNN Portugal. A reunião magna estava marcada para 21 e 22 de setembro. Contudo, com os incêndios que assolavam as regiões Norte e Centro do país, e a necessidade de Montenegro de acompanhar de perto todos os desenvolvimentos, teve de ser adiado.

Para este fim de semana social-democrata estão confirmadas mais de duas mil pessoas. “A minha experiência diz-me que é dos mais participados”, diz Ricardo Carvalho. A organização, explica, apostou num “palco mais moderno, mais digital”. A tecnologia expande-se ao processo de acreditação e às próprias votações.

Tudo feito em contrarrelógio: os trabalhos de montagem começaram na quarta-feira e só acabaram na madrugada deste sábado.

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