Quinta-feira, Novembro 21

O antigo procurador-geral da República José Cunha Rodrigues defende alterações legislativas que permitiram aos juízes recusarem-se a apreciar recursos que mais não são do que expedientes dilatórios.

E não está sozinho nas críticas que tece ao atual funcionamento do sistema de justiça: outro jurista, Paulo Dá Mesquita, dá como exemplo os países anglo-saxónicos, onde o abuso de recursos, requisitos e outras manobras equiparadas por parte de advogados ou de procuradores pode dar-lhes direito a avaliações disciplinares, incluindo o afastamento dos processos onde pratiquem o chamado abuso do direito.

Para Cunha Rodrigues, que depois de ter sido o líder máximo do Ministério Público integrou o Tribunal de Justiça da União Europeia, tal como funciona, actualmente o sistema português “dá garantias a quem não quer ser julgado num prazo razoável”. Sem pronunciar-se sobre o caso querer concreto da Operação Marquêso magistrado aponta os abusos cometidos a este nível como constituindo um problema grave no Direito Português.

“Ao contrário da generalidade dos países europeus, o sistema jurídico português desconfia do juiz, burocratizando o processo e limitando a sua margem de apreciação. É uma das razões para que os recursos sejam utilizados como expedientes dilatórios e levem a que um número significativo de processos complexos termine por prescrição, geralmente no Tribunal Constitucional”, descreve. Por essa razão, “o juiz deveria ter competência para dissuadir o mau uso e o abuso do processo, o que incluiria a possibilidade de decidir não conhecer o recurso”.

Na sua agenda anticorrupção, o Governo prometeu medidas previstas para reduzir os expedientes processuais destinados a atrasar o curso da justiça, mas ainda não são conhecidos detalhes sobre o assunto.

Também Paulo Dá Mesquita, que é juiz no Tribunal de Contas mas tem vasta obra publicada na área do direito penal, aponta a necessidade de criar medidas legislativas que punam com maior eficácia a litigância abusiva, uma vez que aquelas que existem para desincentivar este tipo de práticas se mostram insuficientes.

A atual lei permite, por exemplo, aos juízes aplicar em casos específicos uma taxa sancionatória especial aos requisitos, recursos, solicitações, pedidos de retificação, reforma ou esclarecimento, quando estes se revelarem claramente dilatórios ou quando forem improcedentes por força da existência de obrigações em sentido contrário. Mas esta disposição legal que não afecta quem possui capacidade económica, observa Dá Mesquita, que viu com maus olhos o pacote anti-corrupção aprovado em 2021 ter duplicado todos os prazos de recurso nos processos de elevada complexidade, mesmo os respeitantes às questões mais simples.

À infrações legais de disposições junta-se, no seu entendimento, a insuficiência das práticas de juízes e do Ministério Público, que desviam “aplicar de forma mais firme os mecanismos que já existem” para evitar delongas.

A “válvula de escape” a que o juiz Francisco Henriques e outros dois colegas do Tribunal da Relação de Lisboa recorreram, esta quarta-feira, para se recusarem, pelo menos por agora, a apreciar mais uma permissão de José Sócrates é um mecanismo legal que poderia ser usado com muito maior frequência, observe também um antigo conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. “Infelizmente, isso não acontece”.

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