Integrado na colecção Missão: Democracia, editada pela Assembleia da República para assinalar os 50 anos da Revolução dos Cravos, Você é livre? olhe a liberdade como um caminho, em que nada está garantido para sempre.
A autora, Ana Pessoa, explicou ao PÚBLICO como chegou a este texto, depois da indicação de que o tema sobre que escreveria — entre os 12 planeados para a coleção — seria o da “liberdade”.
“Senti logo o peso da responsabilidade. ‘Liberdade’ parece um tema fácil, mas é bastante difícil. Por um lado, é o cúmulo do ‘tema livre’! Qualquer história tem que ver, de alguma maneira, com a liberdade. Quando falamos de identidade, de justiça, da luta entre o bem e o mal, de amor, de pressão social, de conflitos familiares, também estamos a falar de liberdade e dos limites dessa liberdade”, diz-nos via e-maila lembrar como a liberdade total pode nos ajudar no processo criativo. Às vezes, os constrangimentos facilitam as escolhas.
Ana Pessoa — que se estreou na escrita para jovens com O Caderno Vermelho da Rapariga KaratecaPrémio Branquinho da Fonseca (Expresso/ Gulbenkian) em 2011 — não queria “escrever ficção para falar de liberdade” e achei importante falar dela “sem rodeios, lançar perguntas, fazer uma reflexão”.
O resultado é um livro interativo, em que as crianças têm perguntas de escolha múltiplas. A primeira é a do título: “Tu és livre?”, com as opções de resposta “sim” e “não”. Mas logo em seguida se escreve: “E então? Escolheste ‘sim’ ou ‘não’? Hoje ‘não’, mas ontem ‘sim’? Na verdade, é bem possível respondermos ‘sim’ e ‘não’ ao mesmo tempo.”
Um convite à reflexão e ao aprofundamento do conceito de “liberdade”. Reconsiderando a pergunta inicial, dá-se então mais opções. “Depende” ou “mais ou menos”. Isto porque, “neste momento, podemos dizer que somos livres, mas também podemos dizer o contrário”, estando corretas todas as respostas. “Ou seja, há várias maneiras de olhar para a tua liberdade ou para as tuas liberdades (como vers, a liberdade tem muitas faces!”).
A autora começou por querer evitar lugares-comuns associados à liberdade, “o pássaro a voar, uma nuvem no céu, uma criança a andar de bicicleta”, mas acabaria por eles se socorrer, desconstruindo-os. “Será que um pássaro é de fato livre? Será que uma nuvem é livre? Será que nós, cidadãos portugueses do século XXI, somos livres? Por um lado, sim, somos livres. Mas, por outro, não, não somos livres”, diz o autor de Desvionovela gráfica com ilustrações de Bernardo P. Carvalho.
O pássaro voa porque está sempre à procura de abrigo e de comida, a nuvem é condicionada pelo vento e chora quando fica cheia de água, a bicicleta só anda se alguém pedalar.
À medida que se avança no livro, lida-se com as dificuldades que caracterizam a liberdade. “Será que seremos livres quando tivermos de cumprir tantas regras? Será que seríamos mais livres se estivéssemos completamente sozinhos? Será que seríamos mais livres se alguém decidisse tudo por nós?” Mais perguntas.
“O que é evidente hoje pode deixar de o ser amanhã”
Se nunca pensamos em liberdade, se calhar ela não é assim tão importante, problematiza-se mais adiante.
Novas perguntas surgem, mas extravasando o âmbito da realidade portuguesa. “Alguma vez você proibiram de rir? Alguma vez você proibiu ir à escola? Os teus pais já escolheram a pessoa com quem vão casar? Não, ninguém nos proíbe de rir nem de aprender e podemos amar quem quisermos. Isto, para alguém que cresce hoje em Portugal, parece evidente. Mas nada disto é evidente em outras regiões do mundo. E o que é evidente hoje pode deixar de o ser amanhã”, exemplifica Ana Pessoa.
Prossiga com alguns dados sobre o estado da liberdade no mundo. “Muitas crianças ainda vivem em situação de pobreza. Não há escolas em algumas regiões do mundo.”
A acompanhar este inteligente texto/inquérito, estão as imaginativas e divertidas ilustrações de Mariana Malhão, numa “abordagem irrequieta e colorida”. Ana Pessoa aprecia o humor que uma ilustradora, formada em Design de Comunicação na Faculdade de Belas-Artes do Porto, levou para o livro. Dá um exemplo: “A certa altura, há um gato a passear-se pela mesa de jantar e a incomodar toda a gente.”
Mariana Malhão publicou seu primeiro álbum ilustrado em 2018: Uma Rosa na Tromba de Um elefante, com texto poético de António José Forte (edição da Orfeu Negro). Atualmente, trabalha como freelancer e tem projetos em que explora ilustração, seleção e publicações independentes.
Sem final Tu És Livre?Ana Pessoa, que acredita que pode ser usado em sala de aula ou em casa para falar abertamente com as crianças sobre um tema tão abstrato e, ao mesmo tempo, tão concreto, conclui que “A liberdade é um caminho que percorremos todos os dias”. E, a terminar, pergunta ainda: “Queres seguir pelo caminho da liberdade”?
A resposta fica agora desse lado do ecrã.
Letra Pequena deseja aos leitores um feliz e livre 2025.
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