O processo de reportagem do Jovem Jornalista do Ano, uma mulher afegã que não foi nomeada por razões de segurança, imita o que é ser mulher no Afeganistão controlada pelos taliban: precisa de um homem familiar para marcar as entrevistas por telefone, para a acompanhar aos raros encontros presenciais com as fontes, para fazer a maior parte da sua vida e parte do seu trabalho, que nem pode alternar.
É uma das últimas jornalistas “a revelar a brutalidade da vida das mulheres e raparigas” que vivem num país onde estão proibidas de estudar e trabalhar, escreveu a Thomson Foundation quando anunciou como vencedora da categoria dos prémios da Foreign Press Association (FPA) que distingue jornalistas anuais com menos de 30 anos em países com um rendimento nacional bruto (RNB) per capita inferior a 20 mil dólares norte-americanos.
Somaiyah Hafeez e Aisha Farrukh, dois jovens jornalistas do Paquistão, foram os outros finalistas e foram apresentados na entrega de prémios da associação de jornalistas internacionais a 25 de Novembro, em Londres.
A Jovem Jornalista de 2024 escreve para o Afghan Times, um site de notícias online fundado pelo casal de jornalistas afegãos Salma Niazi e Saeedullah Safi e agora gerido de Dublin, na Irlanda, onde os dois estão exilados.
A Thomson Foundation destaca uma das reportagens da jornalista anônima sobre a importância dos restaurantes só para mulheres, publicada em junho de 2024: “Talibãs impõem o fim dos restaurantes só para mulheres: o último refúgio para as trabalhadoras afegãs está sob ameaça”.
Há outras histórias sobre direitos das mulheres no Afeganistão, sempre sem assinatura. Nas fotografias surgem com um véu, um bloco de notas e uma caneta, a ouvir mulheres e agachadas a falar com crianças em tendas improvisadas.
Desde que o regime talibã voltou a controlar o país em agosto de 2021, depois de duas décadas sob controle militar norte-americano, o trabalho dos dissidentes e jornalistas é tão condicionado que um repórter tem de eliminar rotineiramente todas as provas de cada contato com fontes e editores, para se protegerem de si e das pessoas que entrevistam. Confessou à Columbia Journalism Review que nem as amigas mais próximas podem contar o que faz. “Para mim, isto não é apenas um trabalho, é uma responsabilidade. E, por isso, não tenho medo de fazer o meu trabalho.”
O Afeganistão é o terceiro pior classificado no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa, ficando apenas à frente da Síria e da Eritreia (Portugal está muitos lugares acima, em 7.º lugar).
“Este prêmio é um sinal de que nossos esforços são vistos e valorizados, mesmo quando parece que estamos a lutar no escuro”, disse o jornalista, no discurso gravado para a entrega de prêmios. “Inspira-me uma incrível força das mulheres afegãs que, apesar de enfrentarem uma opressão esmagadora, continuem a lutar pela sua dignidade e pelos seus direitos.”
A repórter foi uma das mulheres impedidas de exigir os estudos universitários quando o governo taliban retrocedeu nas promessas que tinha feito sobre os direitos das mulheres. Foi aí que decidiu ser jornalista e, agora, “deseja poder ser um jornalista livre”.
“O jornalismo no Afeganistão tornou-se não apenas uma profissão, mas uma missão — manter a verdade viva e dar voz àquelas que são frequentemente silenciadas”,disse. “Aceito este prêmio em nome de todos os jornalistas corajosos do Afeganistão que continuam a informar, apesar dos riscos e restrições que enfrentamos todos os dias.”