Garantir a equidade no acesso ao ensino superior é uma preocupação de muitos governos, não foi resolvido pela massificação dos sistemas de ensino superior. Nos sistemas massificados, como é o caso de Portugal, em que existe lugar para todos os candidatos, uma dificuldade consiste em garantir que todos os estudantes tenham recursos para frequentar um curso. Outra dificuldade é conseguir garantir o acesso dos candidatos aos cursos de sua preferência, dificuldade que afeta mais os estudantes provenientes das classes desfavorecidas. O apoio social aos estudantes dessas aulas é fundamental para minorar as desigualdades no acesso, quer por permitir a frequência, quer por facilitar a ida para localidades onde são lecionados os cursos da sua preferência.
O estudo do EDULOG, o grupo de reflexão para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, sobre a situação dos estudantes em Lisboa e Porto surgiu em resposta a um pedido das Federações Académicas das duas cidades. A sua importância resulta da avaliação que é feita das dificuldades que os estudantes encontram durante a frequência dos cursos e da eficácia do apoio social nas menores.
Dois problemas do apoio social merecem destaque. O primeiro é o valor muito baixo do limiar de rendimento para ter direito a uma bolsa de estudos. Em 2023/24 só tiveram direito a bolsa de estudos os estudantes de famílias com um rendimento anual per capita inferior a 11.050 Euros (789,28 Euros/mês, pagos 14 vezes, sendo de 760 Euros o salário mínimo em 2023) e património mobiliário inferior a 115.303 Euros.
O segundo problema é o valor baixo das bolsas que, em cerca de 2/3 dos casos, se limita ao pagamento das propinas (agora adicionado de 25%). Como o valor da bolsa máxima é subtraído ao rendimento per capita da família, só um estudante de uma família de rendimento nulo poderia ter essa bolsa máxima. Em 2023/24, um estudante, filho único de um casal com um só salário mínimo em 2022, teria disponível, durante dez meses, depois de pagar as propinas, cerca de 200 Euros/mês (ou menos de 7 Euros/dia) para despesas (eventualmente acrescido de 25 Euros para transportes e complemento de alojamento se estivesse deslocado).
Nos últimos anos, o alojamento, em Lisboa e Porto, tornou-se um problema dramático, tendo a expansão do alojamento local contribuído para diminuir a oferta de quartos para estudantes e aumentar o valor das rendas. Embora o Governo atribua um complemento de alojamento aos estudantes deslocados sem vaga numa residência estudantil, para o receber eles devem comprovar as despesas, sendo confrontado com a recusa de cerca de metade dos senhorios em formalizar os contratos ou passar recibos.
A situação em Lisboa e Porto é particularmente complexa porque as suas instituições de ensino superior atraem muitos estudantes de outras localidades e as vagas disponíveis no ensino público são insuficientes, sendo muito inferiores ao número de estudantes locais que completam o ensino secundário. O grande número de estudantes deslocados, que competem por uma vaga com os estudantes locais, cria problemas de alojamento que só serão atenuados na medida em que novas residências estudantis sejam disponibilizadas.
O relatório do EDULOG vem, assim, tornar evidente a necessidade de uma revisão profunda do sistema de apoio social no ensino superior.
Em Portugal é necessária uma mudança nas políticas públicas devido a duas dificuldades importantes. Uma é a incapacidade de avaliar as consequências da legislação que é alterada a sentimento (partidário) sem base em evidências comprovadas. A outra é a incapacidade de fazer variações. Em vez de antecipar problemas, só quando eles ocorrem se olham para soluções. Veja-se o caso da falta de professores, da falta de médicos ou agora a falta de alojamento estudantil. Durante muitos anos não foram construídas novas residências no ensino superior, pelo que a crise atual foi desencadeada, tendo sido agravada pelo aumento do número de alunos e pelo desenvolvimento do alojamento local. Espero que estudos como os do EDULOG possam contribuir para uma mudança interessante.
Coordenador Científico do Conselho Consultivo do EDULOG, grupo de reflexão para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico