Quarta-feira, Novembro 27

“Temos de começar a defender que a emergência climática é uma emergência de saúde pública”, afirma Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), nesta entrevista por videochamada ao PÚBLICO.

O médico alerta que “as alterações ambientais serão nas próximas décadas o principal determinante da saúde pública das questões”. Desta forma, defende que as questões do clima não sejam apenas parte da formação dos profissionais de saúde, mas também “uma prioridade política” do Ministério da Saúde.

Luís Campos é o orador principal da 2.ª edição da Conferência Cidade Azul, um evento dedicado à ligação entre clima e saúde e que tem lugar nesta quarta-feira no Convento de São Francisco, em Coimbra. O encontro, organizado pelo PÚBLICO, pela Câmara Municipal de Coimbra e pela Universidade de Coimbra, tem entrada livre, mas exige inscrição prévia.

Quais são as principais ameaças das alterações climáticas para a saúde das populações?
Penso que o ambiente tem estado muito divorciado da saúde – de tal forma que esta COP29 foi apenas a segunda Cimeira do Clima que incluiu um dia dedicado à saúde. Pela primeira vez, houve uma Cimeira de Ministros da Saúde em Bacu. Temos de começar a integrar estas duas áreas porque as questões ambientais são um pouco abstratas para o público. Mas quando dizemos que isto está afetando a saúde das pessoas, as pessoas ficam mais sensíveis. E nós, profissionais de saúde, temos aqui uma responsabilidade particular, uma vez que sabemos que uma em cada quatro pessoas morre por fatores ambientais.

Quais são esses principais determinantes ambientais na saúde?
Em primeiro lugar, o problema [do crescimento] da população. Demoraremos cerca de 200.000 anos para chegar a mil milhões de pessoas, o que aconteceu em 1804. E levaremos apenas 220 anos para chegar a 8.000 milhões de pessoas, o que aconteceu em 15 de Novembro do ano passado. E desde 1970 que o que o planeta não tem capacidade de se regenerar.

Refere-se à sobreexploração de recursos? À produção de alimentos?
Exatamente. O planeta não tem capacidade de produzir alimentos e recursos naturais suficientes para suportar toda esta população. Em segundo lugar, temos as alterações climáticas – e temos a consciência de que a evolução está a decorrer pelos cenários mais pessimistas. O ano de 2023 foi o ano mais quente alguma vez registrado. Pensa-se que 2024 vai ser mais quente e, no entanto, pode ter sido o ano mais fresco do resto das nossas vidas.

É provável que nos próximos seis anos cheguemos a 1,5 graus Celsius de aquecimento em relação à época pré-industrial, que era o limite previsto para 2100. Teremos de reduzir para metade a emissão de gases com efeito de estufa até ao fim desta década. Isso não é a acontecer e tem muitas consequências como, naturalmente, as ondas de calor, que são muito importantes para a saúde das populações, embora em Portugal ainda se morra mais de frio do que de calor.

E os outros fatores?
Há uma seca. Neste momento, já são afectados 55 milhões de pessoas por ano. Pensa-se que em 2050, 75% da população mundial poderá ser afetada pela seca. O terceiro determinante ambiental mais importante para a saúde é a manipulação dos ecossistemas e da poluição. Uma em cada dez pessoas respira ar que excede os limites estabelecidos para a Organização Mundial da Saúde. Estima-se que 75% dos peixes que comemos têm microplásticos – e, portanto, os microplásticos podem ser um novo factor de risco para a saúde humana. A quarta determinante é a perda da biodiversidade. E, finalmente, o esgotamento dos recursos naturais. Neste ponto, Portugal é afectado em particular pela escassez de água.

Quais são os maiores desafios climáticos que Portugal enfrenta na área da saúde?
É um país que tem mais vulnerabilidades em certos aspectos. As alterações climáticas e a manipulação ambiental afetam particularmente algumas populações mais vulneráveis ​​– crianças, idosos, pessoas pobres e sem abrigo. Portugal tem uma população muito idosa. Calculando-se que, com o índice de envelhecimento da população portuguesa, chegaremos a ser o quarto país do mundo com a população mais envelhecida.

Os idosos são um dos grupos de comunicação às ondas de calor
Adriano Miranda

Por outro lado, temos uma situação geográfica, no Sul da Europa, que nos torna muito mais suscetíveis ao aquecimento e à intensidade e à frequência das ondas de calor. Portugal e Espanha deverão ser os primeiros países onde não somente as ondas de calor, mas o aquecimento, a desertificação e a escassez de água serão notadas em primeiro lugar na Europa. Trata-se, portanto, de algo diferente, que nos distingue dos outros países.

De que forma é que esta diferença vai afectar a saúde da população em Portugal? Já falei dos idosos e das ondas de calor. E os vetores de doenças infecciosas?
As pessoas falam sobre as doenças infecciosas como as mais impactadas pelas alterações ambientais, mas não, à cabeça temos as doenças cardio e cerebrovasculares. Provadamente, as alterações ambientais e o aquecimento aceleram o processo de aterosclerose. E depois temos outros tipos de doenças, como as respiratórias, o cancro, as alergias, as doenças materno-infantis. Sabemos, por exemplo, que o aquecimento e a poluição estão a diminuir o peso das crianças à nascente.

Depois, temos as doenças transmitidas por vetores, como a malária, a dengue ou o zika. Não costumamos pensar no mosquito como o animal que mais mata no mundo, mas os mosquitos matam, em média, 780.000 pessoas cada ano. Já os tubarões, que são tão vilipendiados nos filmes, mataram este ano quatro pessoas. Aquilo que estamos a ver agora é que os vetores estão a expandir a sua área de propagação e, portanto, vamos ter doenças transmitidas por vetores que até agora eram características de climas tropicais, mais cedo ou mais tarde.

Luís Campos

Disse no começo da entrevista que havia um indicado entre as esferas da saúde e do meio ambiente. O que explica essa separação?
Acho que essas mudanças climáticas aconteceram com um ritmo muito inesperado e, naturalmente, as pessoas não gostam de mais notícias. Faz parte da natureza humana às vezes metro a cabeça debaixo da areia. Por outro lado, há um caminho que se tem feito. Quando falávamos sobre os determinantes da saúde, falávamos mais sobre os estilos de vida e eu costumava mostrar um gráfico que indicava que 40% da saúde das pessoas é determinada por comportamentos de risco (não fazer exercício, fumar tabaco, mais alimentação). E apenas 10% de cirurgia associada a fatores ambientais. Isto já não é verdade.

As alterações ambientais serão nas próximas décadas o principal fator determinante da saúde pública das políticas. Nós temos que começar a defender que a emergência climática é uma emergência de saúde pública. É o maior desafio que os profissionais de saúde têm pela frente. É chocante ver que estes temas ainda não estão incorporados no ensino pré e pós-graduado – e essa talvez seja outra explicação [para o divórcio entre saúde e ambiente].

As decisões políticas estão abertas a essa visão integrada do clima e da saúde?
Gostaria de dizer que sim, mas infelizmente tenho de dizer que não. Em termos nacionais, temos metas ambiciosas de redução da pegada carbônica e fez um trajeto muito interessante em comparação com outros países europeus. No entanto, há muitas áreas em que podemos melhorar. Por exemplo: na área da redução do impacto ambiental no setor da saúde, não é uma política de prioridade. O impacto ambiental de cada decisão de compra no sistema de saúde, ou de reorganização dos cuidados, ainda não faz parte dos critérios de decisão – e tem de começar a fazer.

Deve ser uma política de prioridade?
Tem de ser uma política de prioridade quer ao nível do Ministério da Saúde, quer no sistema público, quer no privado. Vejamos estratégias de grupos privados mais sérias de redução do impacto ambiental do Serviço Nacional de Saúde, que infelizmente está muito concentrado em áreas de edificação – ou seja, iluminação, transportes e energia associados a sistemas de aquecimento e aquecimento. E tem deixado de fora toda a parte clínica, onde há imensas oportunidades de melhoria. Podemos, por exemplo, eliminar os inaladores que repetem a clorofluorcarbonetos e substituir os equipamentos de uso exclusivos por opções reutilizáveis.

Compartilhar
Exit mobile version