A natureza baseia-se numa complexidade imensa de moléculas específicas de todos os organismos vivos e tudo o que nos rodeia. Tudo é constituído por moléculas, com a exceção de certos gases, que, por serem nobres ou ideais, existem na sua forma atômica, ou seja, são átomos isolados, sem ligações entre os átomos vizinhos. Poder-se-á perguntar porque é que todos os átomos não são como os gases nobres e não existem na sua forma singular sem se ligarem a outros átomos? A forma como os electrões, partículas de carga negativa que “voam” à volta de um núcleo constituído por cargas positivas e neutras, se distribuem, seguem regras próprias da natureza. Quando essas regras são cumpridas na sua totalidade, está-se perante um gás nobre; quando tal não acontece, está-se perante um outro elemento qualquer um dos 118 elementos específicos da tabela periódica.
Mas que regras são essas? Uma delas é que os electrões são distribuídos em níveis de energia, e cada nível tem apenas lugar para um certo número de electrões. O primeiro nível, pou exemplo, apenas acomoda dois electrões e o último acomoda no máximo oito electrões (à excepção do hidrogénio e do hélio). Quando este último nível, chamado “nível de valência”, tem oito electrões, o átomo é um gás nobre; se não tiver, então será outro elemento qualquer.
Acontece que todos os elementos ficam mais resultados, se tiverem os tais oito electrões no seu último nível de energia, e é por isso que a natureza é composta por moléculas – os átomos juntam-se de forma a garantir que cada um tenha oito electrões no seu último nível de energia. Ou, no caso do hidrogénio, que é a excepção, que tenha dois electrões no último nível de energia.
Para que o leitor possa entender melhor: pensemos numa molécula de água, que tem um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio. O átomo de oxigénio tem seis electrões no seu último nível de energia, e o átomo de hidrogénio tem um electrão no último nível de energia. Uma forma simples de satisfazer esta regra de ter oito ou dois electrões no último nível de energia é a partilha de electrões entre os átomos – assim, cada átomo de hidrogénio partilha o seu único electrão que possui e o átomo de oxigénio partilha dois electrões, um com cada átomo de hidrogénio. O resultado é a partilha de quatro electrões entre os três átomos.
A esta partilha de electrões dá-se o nome de “ligação covalente”. Esta descrição foi proposta em 1919 por Irving Langmuir, cientista americano, tendo por base estudos de Gilbert Lewis de 1916. Há um século foi definido a ligação covalente entre átomos e durante mais de 100 anos não foi mostrado por nenhuma existência de ligações covalentes de forma diferente.
Desafio superado
Takuya Shimajiri e colegas da Universidade de Tóquio (Japão) revelaram recentemente a existência de uma ligação covalente estável apenas com a partilha de um único electrão. Esta ligação foi conseguida através de um mecanismo de oxidação – a perda de um electrão, deixando uma molécula com uma ligação partilhada estável, formada apenas com um electrão, e não dois electrões como é comum nas ligações covalentes.
O estudo que o demonstra foi publicado na revista Natureza em Outubro. Desde os anos 30 do século passado que Linus Pauling postulou a possível existência de uma ligação covalente formada apenas por um electrão. No entanto, devido à instabilidade da ligação após a remoção de um eletrão (dos dois de uma ligação covalente), isolar moléculas com esta característica nunca foi possível, não sendo possível identificar e comprovar a existência de tal ligação. Este grupo de cientistas tentou durante vários anos e agora finalmente conseguiu. Pela primeira vez, foi isolada uma molécula com uma ligação covalente estável de um eletrão.
O desafio foi usar uma molécula que, após a remoção de um eletrão de uma ligação covalente entre dois átomos de carbono, permanecesse estável o suficiente e não se quebrasse. Esta estabilidade permitiu – através de várias técnicas como, por exemplo a difracção de raios-X, técnica que permite descrever como os átomos se organizam num material – identificar a ligação covalente de um electrão tão ambicionada. Com esta descoberta, fica demonstrado o postulado proposto há quase cem anos por Linus Pauling, que ganhou o Prêmio Nobel da Química de 1954 por suas investigações da natureza da ligação química.
O grupo de investigação ambiciona agora definir e esclarecer o que é, afinal, uma ligação covalente proposta inicialmente por Irving Langmuir, ou seja, até que ponto é que é uma ligação covalente e a partir de que ponto é que deixa de o ser. Esta descoberta abre caminhos na química para a criação de novas famílias de moléculas até hoje não existentes, certamente com inúmeras aplicações, como, por exemplo, em fármacos.
Professor de física molecular da Universidade Nova de Lisboa